O preço da liberdade - Por Aluízio Júnior

Ivan Karamazov sentenciava o advogado como uma “consciência de aluguel” em determinada passagem do romance célebre de Dostoiévski. 

Apesar de ter verdadeira veneração pelo escritor russo, em defesa dos causídicos evoco o brasileiríssimo Rui Barbosa, pontuando que certas frases “têm mais malícia que filosofia”. 

Ainda que as pessoas se apressem em condenar os advogados, especialmente os criminalistas por serem esses os “defensores de bandidos”, há algo de tão nobre, tão elevado e tão apaixonadamente humanístico nessa atividade, que seu valor é inversamente proporcional a todo escárnio dispendido contra ele. 

Não, meus amigos. A régua que mede o valor do criminalista não é e nunca será o ódio que incita as manadas, mas tão só a liberdade. É esse o nosso farol. 

Assim, onde está o engano, por assim dizer, do escritor moscovita? Ei-lo: a consciência é o presídio. A consciência é o cárcere psíquico do ser a serviço da civilização, e por isso mesmo é volúvel, suscetível às paixões da sociedade, sempre a exigir cabeças nas bandejas. A consciência é uma prisão moralista e discriminatória, que sempre elege e protege “os seus” e “elimina (condena) os outros”. 

A consciência abriga o tal “homem de bem”, essa entidade hipócrita, neurótica, preconceituosa e opressora que tanto já perseguiu e esquartejou milhares por questões de raça, de gênero, de classe e de demais minorias desajustadas (desviadas???) em nome de uma ordem moral alienante dona do poder de punir. 

Já a liberdade é intuitiva, inerente a todos os homens indiscriminadamente. Ela é indomável, impetuosa, exagerada. Toda liberdade tem que ser exagerada. A liberdade é o sopro humano por excelência. Sua aspiração não reconhece convenções, religiões, tiranias, muralhas, canhões. É pura potência. Não suporta negociação. 

É urgente. Desta forma, consciências (como a dos acusadores em geral) podem ser alugadas, mas a liberdade não. Ela só pode ser protegida, cantada e acalentada, sendo que o maior amante da liberdade é o advogado criminalista. Pode-se alugar quem está disposto a vender, mas o criminalista não barganha com a liberdade. 

Ele não olha a quem ou o quê. Ele não julga o outro, ele refugia. Ele tem o vício de ver livre aquele que está em agonia. Aos desavisados: é o ensinamento cristão em sua plenitude. O exercício do criminalista é o eternamente ver-se no lugar do outro...

E foi vendo-se no lugar do outro que essa semana tivemos dois êxitos no escritório. Difícil, sempre é extremamente difícil, principalmente por tratarem-se ainda de dois jovens. Com eles e suas famílias nos insurgimos, nos apequenamos, nos sustentamos... caímos. 

Entretanto, já agora a mesma luz do sol que iluminou as faces em prantos de suas mães, será a mesma que, longe do filtro bizarro e brutal de quaisquer grades, irá celebrar e esquentar o abraço do reencontro. Se a sensação é a de dever cumprido? Isso é absolutamente irrelevante. 

Não se trata de mim, de meus companheiros, de abomináveis legados. Trata-se do humano, hoje um pouco mais asas que algemas, mais aceitação que intolerância... Essa é a verdade do criminalista: a certeza de que, mesmo diante do lodo pútrido do mundo, pra onde ninguém gosta de olhar (principalmente o “homem de bem”), respirando em cima do ralo pra onde escorre toda a sujeira do viver no cenário mais aterrador possível que é a prisão, a esperança sempre tem vez. 

E se há esperança inclusive lá, no cárcere, não se pode dar outro nome que não o de covarde aos que desperdiçam sua liberdade entregues ao conformismo, ao cinismo e apenas a si próprios, pois o outro, quando não há acolhimento, é sempre um réu em potencial, um réu existencial, um réu... Eis o nosso grande problema num mundo atualizado de ausências.

Quero agradecer grandemente aos meus aguerridos companheiros de todos os dias, com os quais tanto aprendo: Jovacy Peter Filho, Filipe Knaak Sodré, Cássio Rebouças de Moraes e Daniel Ladeira. Grandes e valorosos advogados. Não se trata de vitória, mas de missão exercida à altura que o desafio pedia.

“Se o estado de polícia consegue derrubar uma barreira, deve-se construir outra, mais forte, e se derrubar muitas outras ou inclusive todas e, com isso, provocar a derrubada do Estado de direito, nem sequer em circunstância tão dramática seria lícito ao direito penal abandonar a essência do seu discurso de resistência, pois cedo ou tarde o Estado de direito renascerá” - Eugênio Raul Zaffaroni.

A liberdade, meus amigos, não se mede pelo preço, mas pela capacidade de resistir.
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Aluízio Júnior é gente nossa que faz a diferença, advogado criminalista e membro do corpo jurídico do escritório Peter Filho & Sodré Advogados

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